Somos todos irmãos!
Nunca testemunhei uma hospitalidade tão sincera e um espírito de fraternidade tão forte quanto o que vi praticado por pessoas de todas as cores e raças nesta antiga Terra Santa, a Casa de Abraão, Muhammad e todos os outros profetas das Sagradas Escrituras (que a bênção e a paz de Deus estejam com eles).
Durante toda a semana passada, fiquei completamente sem palavras, encantado pela generosidade manifestada ao meu redor por pessoas de todas as cores. […]
Havia dezenas de milhares de peregrinos do mundo inteiro. Eram de todas as cores, desde loiros de olhos azuis a africanos de pele negra. Mas participávamos todos dos mesmos ritos, evidenciando um espírito de unidade e fraternidade que minhas experiências nos Estados Unidos haviam me levado a crer que não pudesse existir jamais entre brancos e não brancos. […]
Talvez você se escandalize com o fato de ser eu a dizer essas palavras. Porém, as coisas que vi e vivi nesta peregrinação me obrigaram a reorganizar muitas formas de pensar antigas e a deixar de lado algumas das minhas conclusões anteriores.
Isso não foi tão difícil para mim. Apesar da firmeza de minhas convicções, sempre fui um homem que tenta encarar os fatos e aceitar a realidade da vida à medida que novas experiências e conhecimentos se desvelam. Sempre tive a mente aberta, o que é necessário para garantir a flexibilidade que deve caminhar de mãos dadas com toda forma inteligente de busca pela verdade.
Durante os últimos onze dias, aqui no mundo islâmico, comi do mesmo prato, bebi do mesmo copo e dormi na mesma cama (ou no mesmo tapete) – enquanto rezava para o mesmo Deus – de irmãos muçulmanos de olhos azulíssimos, cabelos loiros e pele mais branca que o branco. E, nas palavras, atos e feitos dos muçulmanos “brancos”, senti a mesma sinceridade que senti entre os muçulmanos negros africanos da Nigéria, do Sudão e de Gana.
Nós éramos verdadeiramente iguais – irmãos – porque a crença deles em um Deus Único havia removido a “brancura” da mente, do comportamento e das posturas deles.
Isso me fez ver que, se os norte-americanos brancos fossem capazes de aceitar a Unicidade de Deus, talvez pudessem também aceitar de fato a Unidade do Homem – e deixar de medir, obstaculizar e prejudicar os outros por causa de “diferenças” de cor.
Com o racismo atormentando os Estados Unidos como um câncer incurável, o chamado coração “cristão” dos brancos norte-americanos deveria ser mais receptivo a uma solução comprovada para um problema tão destrutivo. Talvez isso possa acontecer a tempo de salvar os Estados Unidos de um desastre iminente – a mesma destruição provocada na Alemanha pelo racismo que acabou destruindo os próprios alemães. […]
Me perguntaram sobre o que mais me impressionou no Hajj. Eu digo: A fraternidade! Pessoas de todas as raças e cores, de todo o mundo, reunindo-se num grupo único! Isso provou para mim o poder do Deus Único… Todos comiam juntos e dormiam juntos. Tudo na atmosfera da peregrinação acentua a Unidade do Homem sob o Deus Único.
— Carta escrita por Malcolm X (Hajj Malik El-Shabazz) em Meca, 1964. Extraída de Malcolm X e Alex Haley, The Autobiography of Malcolm X.